Borboleta, eleição e seus efeitos

Renato J. Costa Valladares
 

 

 

 

 

 

 

Renato J. Costa Valladares, Professor e Escritor, é Doutor em Ciências e Mestre em Matemática.

 

RIO [ ABN NEWS ] — O chamado efeito borboleta fala na possibilidade de uma ocorrência simples evoluir de modo que, em relativamente pouco tempo, ocasione uma ocorrência de grandes proporções. A denominação ‘efeito borboleta’ é uma hipótese em que o bater de asas de uma borboleta na Venezuela pode, ao fim de poucas semanas, ocasionar um furacão devastador do outro lado do mundo. Esta é uma conjectura que provavelmente precisa de muitas explicações para convencer pessoas menos avisadas sobre furacões, como é o meu caso.

Entretanto a vida nos oferece situações com perfil imprevisível que sugere uma ocorrência como acima. Para dar conteúdo ao que estamos falando vamos olhar a política e suas eleições com todas as surpresas que se possa imaginar. Para simplificar o assunto vamos nos ater a eleições executivas (presidente, governadores e prefeitos).

É fato bem conhecido que o vencedor da eleição tem um número maior que a metade dos votos válidos. Usando recursos da Matemática de nível médio isto sugere a função eleitoral que associa 0 ou 1 ao número de votos que cada candidato obteve.

Os números 0 e 1 significam as quantidade de mandatos que cada candidato vai ganhar. Se o número de votos de um candidato for maior que a metade dos votos válidos, ele ganha 1 mandato. Se tiver uma quantidade igual ou menor que a metade dos votos, o candidato ganha zero mandatos.

Para fixar ideias suponhamos que nas eleições municipais, 4 candidatos concorreram a prefeito de uma certa cidade. Nas eleições houve 10.005 votos válidos, cabendo 4.000 votos ao candidato A, 3.500 a B, 2.000 a C e 505 a D. Como nenhum destes números é maior que a metade dos votos, vemos que todos os candidatos ganharam 0 e a eleição não teve vencedor. Para superar esta dificuldade os dois candidatos mais votados foram para o segundo turno.

A essa altura o leitor já entendeu que a descrição acima se refere às condições desejáveis em que tudo dá certo. Entretanto pode haver situações complicadas que nos leva a pensar em uma borboleta que dispara um furacão.

Para isso imaginemos que no segundo turno houve 10.004 votos válidos e que cada candidato teve 5.002 votos. Isso mesmo. Embora seja pouco provável não se pode descartar esta hipótese. Como o número de votos obtido por cada um era igual à metade dos votos válidos, cada candidato ficou abaixo do mínimo necessário de votos para obter o número 1. Isto significa que cada candidato tirou zero e nenhum deles ganhou mandato.

Aí está um verdadeiro furacão político eleitoral. Em breve a cidade precisaria ter um prefeito e os dois melhor qualificados não haviam atingido o quórum mínimo.

Se um único dentre os eleitores que não votou, tivesse votado o problema não teria ocorrido. O máximo que poderiam falar é que o vencedor ganhou por um triz. A situação oposta também evitaria o problema. Imaginemos que um eleitor tenha perdido a hora e não pudesse mais chegar à sua seção a tempo de votar. Não se pode descartar a hipótese de um amigo oferecer uma carona ao retardatário que, desta forma, chega segundos antes do encerramento dos trabalhos.

Vemos assim que a vida comum tem situações difíceis como a impossibilidade de eleger o prefeito de uma cidade, criadas por motivos simples como um horário ou uma carona. Comparando a vida comum com assuntos complexos, não é difícil acreditar que voos de borboletas podem, de fato, dar origens a furações. Isto é ainda mais acreditável, pois o furacão real gastaria umas semanas e o furacão político eleitoral é construído imediatamente.

Para encerrar vamos imaginar que em outra cidade o número total de votos válidos foi de 10.001. Um candidato teve 5.001 votos e o outro teve 5.000. Como a metade de 10.001 é 5.000,5 o candidato mais votado não obteve metade mais um voto, como tanto se apregoa. Entretanto isto não chega a ser um problema, pois logo todos compreendem que o candidato com 5.001 votos venceu a eleição.

Sob este ponto de vista a “metade mais um” é uma espécie de licença poética ajustada aos cálculos acima. Afinal a Poesia tem as suas licenças. Por que a Matemática não mereceria as suas?

Se o leitor quiser pode falar com o autor pelo e-mail rjcvalladares@gmail.com

 


 

 

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